terça-feira, 1 de novembro de 2011

Natimorto


Com as imagens ainda latentes na minha retina arranhada por uma profusão de idéias que se intercalam sobrepostas e nada impostas na concatenada teia de complexas idiossincrasias indigestas pelas quais fui submetido por tal película, reluto em refluir o alimento que me fora ofertado pelo angustiante abismo no qual precipitei-me ao longo do filme por se tratar de nutrição de grande valia, embora úlcera aberta, in vida. A desconcertante presença da reflexão intimista marcada na imersão da consciência individual, pincelada pela opressiva e sombria condição humana, revela-nos seus limites e abismos. Baseado no livro de Lourenço Mutarelli, cuja escrita apresenta-se como uma das mais híbridas e instigantes da atual produção literária nacional, repleta por diálogos desconcertantes, limados com humor ácido e pautada pela recorrência ao simbolismo existencial, o filme é fruto da adaptação do segundo livro do Kafkoiévski Paulistano, cuja densidade e ironia insultam os níveis das sadias mentes benevolentes defensoras de uma visão antropologicamente positiva da perversa natureza humana. Afinado roteiro, com diálogos impactantes, a prática da taromancia com as mensagens e figuras doentias que ilustram o verso dos maços de cigarros, somados as estórias contadas pelo personagem interpretado por Mutarelli, findam, por revelar, consequências surreais e epifânicas resultantes das divagações em que ambos se lançam no enclausurado quarto de hotel onde se encontram. Atmosfera destrutiva e depressiva, profícua reflexão perturbadora, flerte com a esquizofrenia, dentre outras características, exemplificam de modo profundo o Eros e Tânatos que habitam (D)ENTR(O)E nós, pobres criaturas, desta mendicância torpe de uma vivência desvairada e envaidecida na qual fomos submetidos sem quaisquer autorizações ao OUTREM(DEUS). Talvez por isso ele vislumbre tanta beleza na passagem súbita da existência para não-existência de um ser como NATIMORTO.



PS: Simone Spoladore está maravilhosa. Fotografia belíssima. Lourenço, sem comentários...


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