quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Carga tributária pesada aos ricos

Após prazerosos dias na companhia agradável de familiares e amigos ingerindo minha cota anual de tereré em Mato Grosso do Sul, retorno do período de férias com a sensação de que, o ócio cultivado no mesmo, fora de fundamental importância para a revitalização das minhas forças consumidas exaustivamente ao longo de 2009. As notícias futebolísticas, pitadas paliativas de filosofia aliados à ironia limada e humor refinado de meu tio Maurício, proporcionaram-me momentos aprazíveis e cômicos, cujos resultados evidenciaram-se na diminuição acentuada em meu nível de stress a patamares de uma pessoa tranqüila e serena. Mesmo desejoso da abdicação voluntária de ilações e reflexões filosóficas em níveis diários, enredei-me por momentos de ócio a cultivá-la. Dentre os temas filosóficos discutidos à base de erva mate, o Leviatã fora novamente pauta das reflexões. Estou lendo Anarchy, State, and Utopia de Robert Nozick, uma longa e cuidadosa reação à Theory of Justice escrita por John Rawls, seu colega mais velho no Departamento de Filosofia de Harvard. Rawls apresentou uma teoria altamente sofisticada de justiça social neocontratualista, em que defende a igualdade de oportunidades e a distribuição do rendimento das riquezas. Nozick postula uma alternativa assente em direitos individuais de propriedade que funcionam como um entrave moral a todas as formas de distributivismo, tal como Rawls propõe em sua teoria da justiça. O pensamento nozickiano aproxima-se de outros autores libertaristas tais como: Milton Friedman, F.A. Hayek, Ludwig van Mises, dentre outros. Todavia, estes por serem de formação, sobretudo econômica, defendem o libertarismo sob uma ótica consequencialista, em que a defesa do mesmo, assenta-se sobre as conseqüências dos mecanismos de mercado livre e na idéia de que eles são distorcidos pelas idéias de justiça distributiva quando sofrem ingerências estatais, prejudicando a eficiência dos mercados e a ordem espontânea da sociedade. Nozick possui uma defesa do libertarismo fundamentando seus argumentos em um deontologismo de índole claramente kantiana com ênfase na concepção moral da pessoa humana em termos de autopropriedade, contrariamente ao contratualismo de Rawls. Pretendo neste pequeno texto abordar de modo sucinto um aspecto consequencialista das teses redistributivistas, sem comprometer-me com a análise semântica e o rigor lógico dos argumentos de Rawls, mas apenas atentar para o fato de que tanto do ponto de vista moral, assim como consequencialista, à defesa do intervencionismo estatal seja equivocada.

Aos defensores do Leviatã, verifica-se um enorme esforço em propagar a idéia de legitimidade desta organização essencialmente parasítica, inoperante e ineficiente. Buscam fundamentar sua prática em roubar-nos com seus impostos, convocar-nos compulsoriamente para o serviço militar, nos obrigar a votar e outras tantas ingerências que visam controlar nossas vidas impedindo que façamos uso da propriedade de nossos corpos e que exercitamos plenamente nossa liberdade individual. Muitos que defendem o aparato estatal burocrático vislumbram na máquina pública possibilidades de bons salários, estabilidade no emprego e uma boa aposentadoria. Outros o veneram motivado pelas vantagens que obterão por quaisquer barganhas sindicais, além de boa parcela dos empresários cercarem-se da máquina por pensarem em subsídios e garantias estatais por meio de contratos e licitações com o intuito de garantir riqueza pelos corredores públicos. Dentre essas inúmeras defesas, sociais-democratas (libertarismo-igualitário/Rawls) defendem a idéia de uma intervenção estatal no que diz respeito ao problema da distribuição de renda díspare e desigual na sociedade capitalista, por considerá-la injusta.

Após o noticiário esportivo que mostrava a maior contratação do futebol brasileiro deste ano (RC6), entre uma cuia e outra, começamos discutir o papel do Leviatã (se é que o mesmo deva possuir algum na economia de um país) no que tange à desigualdade social e a defesa de muitos grupos intelectuais e políticos sobre a tese da redistribuição de renda como sendo a poderosa e eficaz arma do Estado para diminuição das disparidades e desigualdades sociais acentuadas em nosso sistema econômico, visando uma intervenção que permita a coexistência de prosperidade e igualdade, em uma convivência equilibrada e harmônica. As inúmeras teses defendidas por redistribucionistas das mais variadas estirpes merecem um tratamento de análise econômica fundamentada de modo claro para que se responda de modo satisfatório as propostas que requerem aumento de impostos sobre os ricos para fins de redistribuição de renda. Os impostos de modo inequívoco diminuem a demanda de mão-de-obra pelas empresas, resultando como conseqüência na redução de salários e volume de empregos que poderiam ser oferecidos pelas mesmas, na ausência dele, destituíndo-as de recursos com os quais pagariam melhores salários. Além disso, os impostos destituem as empresas de fundos com os quais comprariam bens de capital. O imposto de renda de pessoa jurídica e física reduz também a introdução de produtos novos e o aprimoramento dos métodos de produção, solapando o acúmulo de capital e o crescimento da produtividade do trabalho. Isto trava os aumentos salariais que elevariam o padrão de vida de todos e não somente sobre os ricos “exploradores” cuja taxação dos impostos deveriam pesadamente recair em suas riquezas, segundo os redistribucionistas. Estes ignoram a constatação lúcida e sóbria realizada por Mises de que em uma economia de mercado para que um indivíduo seja beneficiado dos meios privados de produção, não é necessário que ela seja detentor desses meios, pois ele é beneficiado dos meios de produção de outras pessoas ao comprar os produtos advindos daqueles meios de produção. Um indivíduo é beneficiado dos meios de produção não somente na condição de comprador dos produtos, mas também na de vendedor de sua mão-de-obra. Quanto maior for o acúmulo de capital de terceiros, haverá uma maior abundancia e barateamento de produtos disponíveis no mercado para essa pessoa comprar e concomitantemente maior será também a demanda de mão-de-obra que ela poderá vender no mercado, resultando assim, em maiores salários aos quais poderá vender sua mão-de-obra. Capital abundante nas mãos de ofertantes de bens e potenciais empregadores é condição necessária para uma economia com preços descendentes com salários maiores ascendentes. Os redistribucionistas contrariamente a Mises, tomados pela ignorância econômica, defendem que a única riqueza da qual um indivíduo possa ser beneficiado é a dele próprio. Para os redistribucionistas somente é possível tal benefício ser alcançado pelas classes assalariadas através da transferência de riquezas realizadas pela alta taxação impostas aos detentores dos meios de produção, redistribuindo renda ao retirar destes uma parcela do seu capital. Assim satisfaz-se o desejo dos pobres para que eles também possam consumir. Redistribu-se renda através das pesadas taxas impostas aos ricos e pequenas taxas impostas aos pobres, sendo oferecidos pelo Leviatã através do montante arrecadado, diversos serviços aos menos prodigiosos e coitadinhos vítimas de um sistema injusto. O fato de não reconhecerem que o corte de impostos para todos beneficiaria não somente os ricos se dá pelos hábitos coletivistas enraizados em muitas mentes analfabetas em economia por inspiração de ranço marxista através da sua doutrina de classe social. Ao invés de enxergarem-se como assalariados individualmente distintos, tais influências fazem as pessoas pensarem como membros da classe assalariada, onde os interesses são indistinguíveis dos interesses dos outros assalariados. Os redistributivistas de um modo geral estão acometidos por uma arbitrária e volitiva ignorância econômica, por não terem clareza sobre o papel do capital na produção e nem o que realmente faz aumentar os salários e o padrão de vida ao desconhecer os aspectos de uma economia aberta. A obviedade de que a acumulação de capital aliado ao progresso econômico por meio da poupança e inovação em uma sociedade com pequena carga tributária traz benefícios não somente para os ricos, parece uma idéia que causa dores em alguns ouvidos delicados. Atualmente difusa é a idéia de que alguma entidade, seja política ou divina, deva assumir o papel que cabe aos indivíduos. O “Estado-Papai” para muitos deve existir a fim de suprir todas as carências e resolver todos os problemas sociais, assim como, Deus solucionará num futuro distante todos os males da humanidade no dia do juízo final, mesmo que para tal, tenhamos que fazer beicinho à liberdade (livre-arbítrio) e aos aspectos lógico-racionais de uma economia amplamente livre.

2 comentários:

Aguinaldo Pavão disse...

Ralph.
Parabéns pelo belíssimo post. Um ponto que acho interessante diz respeito à leitura de Nozick do imperativo categórico na fórmula da humanidade. Qualquer perspectiva antilibertária redunda no uso do ser humano como simples meio. A esquerda critica o trabalho escravo, mas não percebe que ela é, por definição, defensora do trabalho escravo.

Ralph Kohler disse...

Aguinaldo.
Obrigado pela visita e generoso comentário. Essa leitura realmente é muito instigante. O deontologismo nozickiano de índole kantiana é uma poderosa arma contra o conceito de justiça defendido por Rawls.
Abraços