Geralmente constata-se que a maioria dos usuários de drogas ilícitas, pretere em defender o princípio da liberdade individual como fonte legitimadora de seu consumo. Não se verifica também, a exigência dos mesmos, por um tratamento que os considerem como sujeitos livres, cuja comercialização voluntária de quaisquer substancias não possam ilegitimamente sofrer sanções e proibições através da ingerência do Leviatã na soberania total que os indivíduos possuem frente à propriedade de seus corpos. Certamente defender a ilegitimidade destas leis, não equivale à defesa da ilegitimidade do cumprimento das leis. A defesa do princípio da liberdade individual não isenta de responsabilidade jurídica os usuários e empresários que comercializam essas substâncias proibidas.
Após mais um dia tedioso em minha malograda e coitadinha existência, ao tentar decifrar a moral dos escravos e buscar alçar ao obscuro e supra-humano de uma moral nobre e afirmativa da vida regada por poderes dionisíacos, lembrei-me que sou meramente um ser racional sensível dotado de poderes exclusivamente humanos. Diante desta constatação intelectualista e judaico-cristã, resolvi fazer algo muito mais interessante do que alimentar-me da papinha do bigode: Assistir pela 5° vez à trilogia do Poderoso Chefão que retrata magnanimamente a saga da família Corleone, através da exploração dramática e conflituosa de um mundo épico com uma fotografia melancólica e bela em que a ganância constantemente conflita com a maior das virtudes da máfia siciliana: a lealdade à família.
A ilegitimidade das leis proibitivas à comercialização das drogas, como fora citado no inicio deste post, e o pouco apreço que damos a sagrada liberdade individual, não permite que façamos uma constatação óbvia de que traficantes deveriam ser tratados como empresários. Dentro de certos códigos, embora atuem ilegalmente, eles são na verdade um mero grupo de empreendedores e homens de negócio cuja atividade seja o fornecimento de bens e serviços que foram ilegitimamente proibidos pelo Leviatã.
Poderoso Chefão nos permite verificar os motivos que fomentam a violência sistêmica e cotidiana da máfia. A violência não se dá de forma passageira, divertida ou por mero prazer, mas sim pela necessidade criada com a ausência do Leviatã em fazer valer os contratos comerciais que ele considera ilegais. A polícia e os tribunais não fiscalizam e nada fazem para que as dívidas contraídas pela oferta de bens e serviços que foram proibidos pelo estado, sejam reconhecidas por meio de contratos acordados voluntariamentes. As dívidas não pagas, traições e quebras de contratos, são resolvidas pela violência, reforçando os códigos de lealdade e honra, sem os quais o empreendimento da máfia seria meramente violência insensata e gratuita.
Segundo Locke ao governo caberia a função de apenas proteger os direitos de propriedade e as regras comumente acordados livremente entre os indivíduos. Sendo assim, ilegitimamente o Leviatã impede que façamos uso da plena posse que temos sobre nossos corpos, impedindo-nos de usar seja lá qual for a substancia que desejamos, assim como ilegitimamente nos impede de fazer acordos voluntários em trocas comerciais com as substancias proibidas, deixando de proteger os direitos de propriedade e os contratos acordados entre usuários e fornecedores de drogas.
A família Corleone representa uma organização essencialmente produtiva que luta para se autogovernar. Evidente que por viver a sombra da ilegalidade, ela está sob a atmosfera da incerteza e de práticas que ferem a liberdade de outrem. Todavia,quando não tenta monopolizar e ferir concorrentes, é produtiva e não-agressiva. Boa parcela da esquerda acha bonitinho o crime irracional, aleatório, improdutivo, gratuito e caótico que constitui o ataque aos direitos da pessoa e da propriedade. Não é este que legitimamente deveria ser reconhecido pelo Leviatã como portador de legalidade, mas sim o crime organizado que visa o respeito aos direitos de propriedade por meio de acordos voluntariamente estabelecidos entre indivíduos livres. Ode à liberdade individual que luta para acabar com a ingerência fraudulenta e infundada do Estado.